A ATENÇÃO CENTRADA

ENSAIO SOBRE SUA APLICAÇÃO À ATIVIDADE HUMANA

BREVE INTRODUÇÃO

Uma teoria da Atenção Centrada, aplicada ao desempenho da atividade humana, significa centrar a atenção exclusivamente num órgão ou num movimento corporal, num pensamento ou num ponto de qualquer atividade do ser humano, distinguindo-se duma atenção dispersa e não centrada pontualmente. Porém, a disciplina da Psicologia, onde o estudo da Atenção se insere, esteve desde a Antiguidade absorvida na grande área da Filosofia, a qual sempre privilegiou o estudo da Razão e da Dedução (de Aristóteles a Platão e de Descartes a Kant…), minimizando a sua importância. Só com o nascimento da Ciência Experimental no séc. XVII, graças aos estudos de Képler (teoria heliocêntrica) e de Galileu (método experimental), a Psicologia (a par doutros saberes) se tornará também científica e autónoma da Filosofia, através dos americanos Wilhelm Wundt (1920) e Ernst Weber (1878). O estudo da Atenção humana tornou-se assim, ao longo do séc. XX, um dos principais objetos de estudo da nova Psicologia científica, com William James, Gustav Fechner, John Watson, Ivan Pavlov, Michael Posner, Eugene Gendlin e o neurologista Marcus Raichle, pioneiro no estudo de imagens cerebrais da atenção seletiva. A Atenção Centrada na observação do comportamento humano, seria adotada pela Psicologia behaviorista do american Karl Rogers (1987), metodologia depois alargada a outras ciências e saberes (Psiquiatria, Neurologia, Fisioterapia, Educação, Desporto, Yoga, etc.), não esquecendo Jean Piaget (1980), biólogo e psicólogo suíço, que na sua Teoria Cognitiva, ao falar no desenvolvimento da inteligência humana em 4 períodos distintos (sensório-motor, pré-operatório, operações concretas e operações abstratas), já refere também a importância da “centração” da atenção, no período pré-operatório da criança (2-7 anos), definida como tendência da criança em centrar-se apenas num aspecto da situação, negligenciando os outros… 

Assim, segundo a Teoria da Atenção Centrada, para que determinada atividade física ou orgânica do ser humano seja realizada de forma correta, a atenção deve estar centrada ou focada, única e exclusivamente, sobre o órgão, um ponto ou parte do corpo que executa essa atividade, facilitando o seu desempenho, otimizando de forma acentuada o resultado obtido, podendo mesmo ajudar a corrigir alguns distúrbios neurológicos como a dificuldade de atenção centrada e de coordenação de tarefas, decorrentes da depressão e da esquizofrenia (entre outras…). Em termos concetuais, a Atenção Centrada não só é oposta da Atenção Dispersa mas também distinta da Concentração (oposta da Distração) que visa todo o alheamento possível das circunstâncias envolventes, a exemplo dos atletas ou dos estudantes que, no início duma prova, procuram a máxima concentração visando obter o melhor resultado.- De seguida, expõem-se algumas situações humanas onde a Teoria da Atenção Centrada pode ser aplicada, com relevo para a emissão da voz e a marcha humana, resultantes da experiência pessoal e duma observação empírica, esperando que ela seja completada e melhorada por novos contributos…

1.- ATENÇÃO CENTRADA APLICADA À EMISSÃO DA VOZ HUMANA

Segundo a teoria da Atenção Centrada na emissão da Voz Humana, sempre que falamos, gritamos ou cantamos, a atenção deve ser centrada apenas nas cordas vocais e na sua vibração, sustentada por uma respiração abdominal, permanecendo o diafragma firme até ao termo de cada ato respiratório, sendo essa a única via para obter uma voz bem colocada. Na sociedade em geral, naturalmente, a grande maioria das pessoas fala e canta de forma correta, com a voz centrada e vibrada apenas nas cordas vocais, sustentada por uma respiração diafragmática, emitida de baixo para cima, mantendo uma postura confiante, sem qualquer receio do público envolvente. Infelizmente, porém, devido a situações de timidez, stress, ansiedade, vergonha ou irritação, cada vez maior número de pessoas respira de forma incorreta e insuficiente, levando a uma emissão da voz deslocada das cordas vocais, centrada na cavidade palatal e nasal ou mesmo na zona labial. Estes distúrbios na produção da fala humana, cada vez mais presentes na atual sociedade, estão associados a uma contracção muscular da zona frontal-temporal, a uma tensão na articulação mandibular e consequente dor de garganta, podendo mesmo surgir na infância e adolescência quando a criança é sujeita a situações traumáticas ou de elevada timidez e ansiedade, atingindo o comum das pessoas, mas também os profissionais da voz (locutores da rádio e televisão, professores, sacerdotes, cantores, políticos, advogados, etc.), quando são forçados a falar muito alto, de forma precipitada, irritada ou excessiva (ambientes de sala de aula, discussão, debate oral, etc.), respirando incorretamente, produzindo uma voz claramente deslocada das cordas vocais, ora tensa e crispada, ora tímida e aveludada…

A correção dos distúrbios da voz humana torna-se difícil sobretudo quando eles já se fixaram de forma permanente, ao longo dos anos, tornando-se modo de falar habitual, sendo necessário um grande esforço para reativar a respiração diafragmática, recolocar a voz no órgão onde ela se produz, até ser possível o retorno permanente duma voz bem colocada, emitida de forma correta, apenas centrada e vibrada nas cordas vocais. Nesse sentido, será necessário fazer múltiplos exercícios de respiração diafragmática e de vibração das cordas vocais, seja através da repetição de simples sons, falados ou cantados em várias tonalidades (uhm, vogais, sílabas, escala musical, etc.), seja através da repetição de curtas frases populares, também repetidas em várias tonalidades, seja mesmo através do riso à gargalhada, do bocejar, do gritar e até do chorar alto (primeira manifestação humana), sem ignorar os exercícios de descontração do pescoço e de articulação mandibular, visando corrigir os distúrbios musculares associados à emissão deslocada da voz… Finalmente, como observação complementar, importante e digna de registo, todos podemos constatar que uma grande percentagem dos indivíduos que falam com voz deslocada das cordas vocais, revelam acentuada tendência para a calvície ou queda do cabelo (e o seu contrário também parece ser verdadeiro), um fenómeno universal facilmente verificado em pessoas conhecidas ou em figuras públicas da comunicação (comentadores políticos e desportivos, locutores, cantores) e que merece ser investigado, podendo colocar-se a hipótese (entre outras) dele estar associado a uma menor irrigação sanguínea da área capilar, provocada por constrangimentos musculares da garganta e da zona temporal-frontal, bem como a uma deficiente respiração diafragmática e uma reduzida vibração das cordas vocais…

2.- ATENÇÃO CENTRADA APLICADA À MARCHA HUMANA E  MEMBROS DO CORPO

É muito importante centrar a atenção na atividade dos Membros Superiores e Inferiores (braços e pernas) sempre que eles realizam determinada tarefa, contribuindo para um correto desempenho dos mesmos e para um melhor êxito das atividades diárias, laborais e desportivas por eles desenvolvidas.- Quanto à Atenção Centrada nos Membros Superiores (braços), a otimização do seu desempenho é já bem conhecida e aproveitada em muitas atividades laborais e desportivas, como fazem os pugilistas que centram a atenção em cada um dos braços usados, ampliando a força e a eficácia do soco sobre o adversário, ou os praticantes de artes marciais que utilizam metodologia idêntica, conseguindo partir objetos muito duros com uma única pancada da mão. O mesmo princípio se poderá aplicar a outros desportos além destes que utilizam os braços como instrumentos principais da prática desportiva (andebol, voleibol, basquetebol, golfe, ténis, arremesso, lançamento, remo, etc.), visando otimizar o resultado obtido, sem embargo doutras técnicas e metodologias específicas de cada um deles. Mas, embora a metodologia da Atenção Centrada seja aplicada nestas principais atividades dos membros superiores, não podemos ignorar que na sociedade atual se desenvolveram múltiplas atividades sedentárias onde o uso dos braços é diminuto, sendo necessário realizar, com frequência (mesmo diária), exercícios físicos de fortalecimento muscular (flexão de braços e pernas, levantamento de halteres…), bem como exercícios relaxação muscular dos braços, seja através de movimentações horizontais e verticais, seja caminhando e baloiçando os braços a meia altura de modo a relaxar músculos do pescoço e da zona cervical...

Quanto à Atenção Centrada aplicada aos Membros Inferiores (pernas), ela revela-se ainda mais importante, pois quase todas as atividades da vida humana dependem do ato básico da Marcha e exigem grande movimentação individual ao longo do dia, sendo por isso necessário centrar a atenção no movimento das pernas, para caminhar da forma mais correta, o mesmo princípio se aplicando nas modalidades desportivas que usam preferencialmente as pernas (futebol, atletismo, ginástica, etc.), onde os melhores resultados (à semelhança dos braços) são obtidos pelos atletas que sabem centrar a atenção e canalizar o esforço para cada uma das pernas usadas.- De modo especial, no que respeita ao Ato da Marcha, uma prática medicamente recomendada e muito presente nas atividades de lazer e tempos livres, é importante que ela seja feita da forma mais correta para se obterem todos os seus benefícios, devendo a atenção ser centrada, única e exclusivamente, em cada uma das pernas que caminha, ignorando o restante corpo, mantendo o tronco direito, caminhando de forma ritmada, de nariz e cabeça bem levantados como que olhando ao longe, baloiçando os braços a meia altura e sentindo relaxar os músculos do pescoço, imitando os jovens modelos que desfilam nas passarelas, com postura confiante e descontraída…- Enfim, a Atenção Centrada pode ainda ser usada para melhorar o desempenho conjunto de pernas e braços, em diversas atividades, nomeadamente em situações traumáticas, sendo aplicada quer nas técnicas de MFR (Medicina Física e Reabilitação) para recuperar função após AVC (Acidente Vascular Cerebral), quer para consciencialização da prótese de membro amputado, quer para outras correcções dos membros do corpo humano…

3.- ATENÇÃO CENTRADA APLICADA À CONDUÇÃO AUTOMÓVEL

Outra área específica da atual atividade humana onde é possível aplicar a Atenção Centrada é no desempenho da Condução Automóvel. Na generalidade, os condutores centram a atenção na dianteira física do veículo automóvel e na estrada que observam globalmente e em contínua mudança, obrigando seus campos de visão a ajustar-se permanentemente às diferentes circunstâncias exteriores e ambientais, gerando cansaço físico e ocular… Então, segundo a metodologia da Atenção Centrada aplicada na situação de condução automóvel (ou de moto), a melhor técnica de condução (também referida algures por um antigo campeão da Fórmula 1) será conduzir o veiculo centrando a atenção apenas no nosso corpo que vai sentado com as mãos ao volante, simulando ou imaginando que é esse corpo sentado que vai percorrendo a estrada, segundo uma linha por nós projetada no traçado da estrada e na qual o veículo deverá também forçosamente passar... Ora, este tipo de condução, simulando que é o nosso corpo estático (e não o veículo) que percorre a estrada segundo uma linha pré-definida, como que ignorando as peripécias do veículo em movimento e as contínuas alterações da paisagem exterior, relativiza a velocidade mais elevada do veículo que vai parecer muito menor e torna a condução menos cansativa e muito mais segura…

4.- A ATENÇÃO CENTRADA APLICADA AO ATO DE DORMIR

O último exemplo deste Ensaio sobre a Atenção Centrada na atividade humana, refere-se à sua aplicação ao Ato de Dormir, muitas vezes difícil de alcançar, devido a preocupações, lembranças e imagens que, no final dum dia mais agitado, assaltam e dispersam a mente humana, perturbando o início da atividade do sono. Sem embargo das múltiplas práticas tradicionais usadas para ultrapassar esta dificuldade (rotina horária, luz ambiental, música relaxante, duche quente, eliminação de ruídos, bebida calmante, ausência de cafeína, controle da respiração…), julgamos que a Atenção Centrada, aplicada ao ato de dormir, pode revelar-se de grande importância para ultrapassar as situações de insónia mais difíceis, sobretudo quando as práticas tradicionais já não resultem, em virtude desta metodologia visar controlar o turbilhão de imagens e preocupações que, nestas circunstâncias, invadem e dispersam a mente, prejudicando o iniciar desta básica atividade humana. Assim, segundo esta metodologia, a atenção deve ser centrada exclusivamente na zona da órbita ocular, sendo necessário fechar os olhos e relaxar totalmente as pálpebras, procurando libertar a mente da circulação de toda e qualquer ideia ou imagem durante o maior tempo possível e apenas centrada pálpebras e no seu relaxamento, um exercício difícil de manter por alguns minutos seguidos, devido ao contínuo fluxo de imagens e ideias que sempre tenta invadir a mente humana enquanto está acordada, mas que importa repetir várias vezes até se alcançar o objetivo final de dormir, o qual acabará por acontecer, quase sem disso nos apercebermos…     

CONCLUSÃO GERAL

Em conclusão, importa dizer que, para lá dos exemplos apresentados, existem outras áreas humanas onde a teoria da Atenção Centrada poderá ser aplicada visando melhorar o seu desempenho. Poderá mesmo ser desenvolvida, no âmbito da atividade religiosa, constatando-se que, nas religiões politeístas da antiguidade, a relação humana com o Sagrado era impessoal, apenas desenvolvida em rituais coletivos dirigidos a diversas divindades míticas e antropomórficas, enquanto nas religiões monoteístas (Judaísmo, Cristianismo, Islamismo), a relação com o Sagrado é dirigida a uma Única Divindade de natureza espiritual e centrada numa ligação direta e pessoal com o Espírito de Deus, bem exposta nos episódios evangélicos de Nicodemos (Jo.3,1-21) e da Samaritana (Jo.4,5-42), como nos apelos de Cristo a uma oração interior desenvolvida em espaços de silêncio (Mc.1,35 / Lc.5,16 / Lc.6,12) ou no segredo do próprio quarto (Mt.6,6).- Importa ainda referir que o exercício duma Atenção Centrada no desempenho das diversas atividades humanas aqui expostas, para lá dos benefícios referidos, também contribui para a formação da Consciência e o desenvolvimento do próprio Eu, enquanto sujeito livre e responsável, ajudando a Pessoa a afirmar-se na sua Identidade, a controlar as emoções e a sentir-se socialmente mais segura…- Finalmente, desejo que esta teoria seja experimentada na vida concreta de todos e melhorada pelos estudiosos das várias ciências envolvidas. - Obrigado!

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JOSÉ LEMOS PINTO

Ovar, 13 de Maio de 2023

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